Uma das experiências positivas dos 25 anos do CEJOLE
“Vejam, estou fazendo uma coisa nova! Ela já está surgindo! Vocês não a reconhecem?” (Is. 43, 19)
Chegou como sempre costuma chegar, como diz a gíria: “Chegou chegando…”, alegre, fazendo barulho, falando alto… na realidade suas limitações não permitem que fale muito baixo e se locomova sem muito ruído. Assim é o Renan, um rapaz de seus trinta e poucos anos, que fala e anda com muita dificuldade.
Diagnosticado com paralisia cerebral logo ao nascer, foi dado quase como morto. Sua mãe brigou com os médicos, acreditou que ele viveria e fez tudo para que seu filho se desenvolvesse buscando escolas e centros de reabilitação gratuitos, por causa das condições financeiras da família. Conta a mãe que na AACD – Associação de Assistência à Criança Defeituosa, onde estudou até o 4 º ano do ensino fundamental, logo de início, os terapeutas perceberam que ele era determinado e até na forma de pegar um lápis, ele exigia que fosse da maneira dele então resolveram não impor e deixa-lo traçar seu caminho. Assim ele teimosamente superou todos os prognósticos negativos em relação a ele e aí está: mais vivo do que nunca!
Dentro das atividades da Celebração das Bodas de Prata do CEJOLE houve um happy hour para recordarmos as experiências vividas e partilhar sonhos. Convidamos algumas pessoas que participaram dos diversos projetos e atividades realizadas neste período de 25 anos: Educação Infantil, Alfabetização de Adultos, Apoio Escolar, Capoeira, Voluntariado e EDUCAFRO[1]– Pré-Vestibular para Afrodescendentes e Carentes.
Renan participou do Núcleo Santa Joana da EDUCAFRO.
Quando chegou a vez dele partilhar sua experiência todos fizemos silencio para não perder nada e assim ele iniciou sua fala, que tentarei ser o mais fiel possível: –
Foi uma época muito importante da minha vida porque eu passei a conviver com pessoas diferentes … era muito legal. Eu passei três anos no CEJOLE depois eu sai por um período, mas foram três anos assim… eu lembro que no primeiro ano minha estima era baixa e aí as meninas da EDUCAFRO, a Angela, … todo sábado eu chegava e dizia: – Olha gente não , não é pra mim, a realidade da minha família não é essa, faculdade não é uma coisa que cabe em uma pessoa como eu nas minhas condições
E ai a gente via as pessoas vencendo e eu levava pra casa isso: – Olha outro amigo entrou… e eu sempre escutava: – Olha Renan, não é pra você!
Teve uma vez que eu falei pro meu irmão que eu ia estudar em uma faculdade pública e ele falou assim: – Irmão: PRETO, POBRE E DEFICIENTE, reza se você conseguir um emprego, reza…
E aí o engraçado de todo esse processo, que foi um processo dolorido, foi que quando eu cheguei na faculdade, quando eu tive que sair de São Paulo sozinho, pra encarar uma vida no interior[2],que foi outra coisa que a minha família também falou pra mim: – como é isso, você não sabe fritar um ovo e vai morar sozinho…
Quando encarei todo esse projeto, depois de um ano e meio, aquele meu irmão que me disse esta frase estava ingressando na faculdade também.
Tudo começou no CEJOLE. Hoje graças a Deus eu tenho esta formação eu exerço a minha profissão.
Até na minha profissão como educador, eu lembro dos educadores que passaram pela minha vida na época de CEJOLE.
Naquele tempo eu estava naquela fase que não tinha um real nem para comprar um pão, mas eu nunca deixei de ser bem recebido e era muito gratificante porque, assim o que você tinha você partilhava. Era o que eu achava mais engraçado.
A gente sentava fazia grupo de estudo e a gente via o resultado. Tinha aquela coisa assim: Nossa, fulano venceu, que legal! Foi muito marcante esta época.
Hoje, graças a este ponta pé do CEJOLE eu sou professor, trabalhei, trabalhava no Estado e na Prefeitura, graças a Deus consegui passar nos concursos, larguei o Estado porque eu tive um problema de horário…
Hoje eu também pretendo fazer outras coisas, mas eu sempre quando estou conversando com meus alunos eu falo: – Olha não acha que eu nasci professor, sê tá vendo esse celular que você tem aí, na minha época eu nem imaginava o que era isso…
Na época eu passei na UNESP, USP, CEFET, SÃO CARLOS – UFSCAR[3]²
Uma coisa que aconteceu aqui foi que com seis meses de cursinho, já tinha um aluno entrando na faculdade, foi muito bacana…
Ao final da partilha do Renan não tivemos mais palavras, o único sentimento que me surgia era de agradecimento.
Ao celebrar 25 anos do CEJOLE no bairro de Americanópolis, não poderíamos ter um presente melhor: confirmar que as “Mil Vidas” que Santa Joana quis ter, continuam se multiplicando através de muitas pessoas e nestes 25 anos particularmente, também através do Renan.
Vamos levando algo novo que não nos pertence,
algo que surge do encontro com o Espírito,
da abertura ao diferente, da hospitalidade partilhada,
da humildade de aproximar-se e escutar…
Penha dos Santos – ODN
Representante legal do CEJOLE
[1]No ano de 2002 iniciamos no CEJOLE um núcleo de cursinho preparatório para a faculdade, a EDUCAFRO. Consistia em um trabalho com coordenadores e professores voluntários. Esta atividade permaneceu até o ano de 2007.
[2] Cursou Matemática na UFSCAR – Universidade Federal de São Carlos, interior de São Paulo.
[3] USP, UNESP, CEFET, UFSCAR – são todas universidades públicas muito concorridas em São Paulo, frequentadas geralmente por pessoas provenientes da classe media e média alta que estudaram toda a educação básica em escolas privadas, claro, existem exceções.